Contos de Viagem

O dia em que quase trouxe um bebé do Camboja

camboja turismo

Esta é mais uma história de como as crianças no Camboja podem viver em condições horríveis.

Fomos ao Camboja antes do pequeno viajante nascer. Ele já existia, nós é que não sabíamos.

Já demos algumas voltas neste Mundo gigante, e muitas vezes por lugares pobres. Não o fazemos para sentir superioridade financeira, comer em lugares caros ou comprar metade de um centro comercial. Viajamos para lugares pobres porque sentimos, sempre, que de alguma forma o ser humano é mais feliz com pouco, menos depressivo e menos problemático.

Basta repararem num vendedor de cajus numa praia de uma vila pequena no Brasil: está sempre a cantar para afugentar as tristezas, não tem pretensão de ter outro emprego, este trabalho alimenta os três filhos e isso já faz dele um homem capaz.

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Quando chegámos a Phnom Penh, ficámos num lugar simples. Porém, acredito que se tivéssemos ficado num hotel 4 ou 5 estrelas, cheio de muros e guardas, talvez não tivéssemos tido um choque tão grande.

Mas foi assim que aconteceu.

Arrumámos as mochilas e saímos para a rua á procura de um restaurante para jantar, ou de um night market ali perto. É de noite e está calor. Começamos a caminhar em ruas paralelas à movimentada avenida marginal, e os nossos olhos não acreditavam no que viam.

Os olhos não acreditavam e o coração muito menos.

Grupos de crianças, nuas ou esfarrapadas, a vaguearem por ali ao acaso. Outras todas juntinhas a dormir no chão, como uma jangada de bambus, onde não se percebia onde estava o braço de uma e a perna da outra. Um emaranhado de tenras vidas, num cenário que custa a ver e relembrar.

Sujos. Estão muito sujos. Não se distingue bem os meninos das meninas.

Os mais velhos têm cerca de 10-12 anos e os mais pequenos têm meses. O meu coração aperta, e num soluço desato a chorar. Não vim preparada para isto, não estava á espera, e não sei se aguento estar aqui. As pernas fraquejam-me.

Mesmo para quem não tem filhos ou não gosta de crianças, não fica indiferente a isto. Não pode.

São vidas. Estes meninos não pediram para vir ao Mundo, e não merecem estar á sua própria sorte, desta forma violenta e injusta.

pnhom penh

Começo a descompensar. O pai Duarte, não está melhor, embora esteja mais calmo. Começo a ter ideias sonhadoras completamente embriagada pelo peso na consciência: o que raio fazemos nós aqui de férias, quando estes bebés não têm sequer um adulto para os proteger e á mercê de gente má, que pode pegar neles, fazer o que quiser e ninguém dá pela falta.

Sento-me num café, esquecida da fome (qual fome? tinha vómitos), preciso de beber água e parar para raciocinar. Não sei o que fazer. A minha cabeça está a mil, podia alugar um Boeing 747 e trazer estas crianças todas para casa! Podia gastar o dinheiro todo da conta e dar uma refeição decente a todos estes meninos! Queria tanto leva-los a todos e dar-lhes um banho de água limpa e shampoo de bebé! Queria tanto dar-lhes colo.

E neste momento, aparece uma miúda com um bebé ao colo.

A fralda do menino pesava mais que ele. Um alemão na mesa do lado fala para nós com ar de desprezo:

“Senhora não lhes dê conversa! pedem leite, mas o que querem é dinheiro! não lhes dê nada! Sei bem o que querem elas…”.

Nojo deste homem.

criança camboja
foto do telemóvel do pai Duarte

Estico os braços, e lá vem ele muito sorridente.

Infelizmente, vem todo contente porque nos seus 5 ou 6 meses percebeu que sorrir aos desconhecidos, é a forma que tem de manter a sua barriguinha com algum alimento.

Isto é muito triste.

Camboja é lindíssimo e jamais o esqueceremos. Mas também nunca esqueceremos, o sentimento de revolta e tristeza que nos acompanhou o tempo todo na sua capital.

Os sobreviventes da guerra civil, são obrigados a mendigar, sem pernas ou braços, porque o Governo não lhes dá um único cêntimo, nem abrigo, nem comida, nem acesso á saúde.

Não morreram na guerra, mas desde 1975 estão a definhar com fome, no país que defenderam.

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Nos restaurantes melhores, há estrangeiros cheios de Rolex a alimentarem miúdas, para depois as levarem para o hotel. Ou, a alimentarem os pais e os irmãos das miúdas que vão levar para o hotel.

Viajar é conviver com a cultura, mas isto não é cultura para nós. A pobreza não é igual em todo lado. Os direitos humanos e da criança, não são iguais em todo lado. E levar com isto, como duas botefadas na cara, dói. Dói muito, e não se esquece.

Hoje em dia, com um menino de 5 anos no colo, lembro muitas vezes estas crianças.

São tão indefesos os nossos bebés, como aguentam aquelas crianças?

Bons passeios! A mãe Duarte

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