Um dos postais do Sri Lanka é o comboio. Todos os que fazem a viagem colocam as fotos nas redes sociais, do longo comboio azul que se tornou uma das maiores atracões do país. Não é por acaso.
As paisagens são deslumbrantes, especialmente no percurso mais conhecido pela beleza: de Kandy para Ella. São cerca de 163 quilómetros que demoram 6,5 horas a percorrer. O comboio vai devagar, mas não tão devagar que seja seguro fazer algumas fotos que vemos nas redes sociais.
Quando está nevoeiro nas montanhas, o comboio ainda abranda mais, quase ao ponto de se poder sair e entrar, e a viagem pode demorar 10 horas.
Pára em muitas localidades e vai atrasando assim a hora de chegada. A viagem não é cansativa, nem aborrecida pois o cenário lá fora muda constantemente e conseguimos ver o país e os seus habitantes de uma forma que mais nenhum meio de transporte permite. São centenas de quilómetros que envolvem animadas crianças a entrar e sair com os seus uniformes escolares, vendedores de comida a passar nas cabines para a frente e para trás, cabeças de fora da janela para sentir o vento na cara, o som de animadas conversas numa língua que não entendemos, grupos de jovens cantam, dançam e tocam sem se cansar e as paisagens verdes dos campos de chá a encher a alma de coisas boas.
Pela janela destes comboios de estilo britânico, vemos em pormenor as estações de construção antiga, que a nós nos parecem tão familiares, fruto da herança inglesa e portuguesa que ainda existe. É mesmo uma forma fantástica de viajar pelo país inteiro e é garantido que jamais se vão esquecer.
Existem 3 companhias de comboios (1 público e 2 privados) ,e é melhor reservar com pelo menos 45 dias de antecedência, se quiserem um dia/hora/classe específicos. Não só é, uma grande atração turística, como é um meio de deslocação largamente utilizado pelas populações.
Os comboios são idênticos por fora. A diferença é nas classes: na primeira classe não se pode abrir as janelas porque tem ar condicionado (em todas as companhias). A segunda classe existe com e sem lugar reservado, assim como a terceira classe. Nas companhias privadas, nenhuma janela abre em nenhuma classe. Então o melhor é ir na SRL Railways e poder usufruir de tudo.
Agora a nossa aventura no comboio:
Nós com um mês de antecedência concluímos o roteiro e já não havia bilhetes disponíveis para a segunda classe com lugar marcado. Queríamos evitar a terceira classe pois a lotação é “tudo o que conseguir entrar” e mais as cargas de cada um. Não pensámos muito no assunto, pois achámos que haveríamos de comprar na estação bilhetes com lugares não marcados. Quatro dias antes já sabíamos que os lugares marcados estavam esgotados.
No dia antes da viagem, o funcionário do hostel tentou vender-nos bilhetes para a segunda classe que um primo vendia no mercado negro por 6500LKR/pessoa, quando eles custam 240LKR/pessoa e o André com 3 anos não paga. Não aceitámos porque além de muito caro, não sabíamos como funcionava o sistema, se o revisor pica os bilhetes, se é digital, etc. O mercado negro é mau e podia trazer-nos problemas. Além disso, somos do género de acreditar que de alguma forma tudo se resolve e confiamos no destino!
Quando chegámos à estação era 08h20, e o comboio partia às 08h40. Comprámos bilhetes para a segunda classe sem lugar marcado. A maior preocupação era o mini viajante, mas o povo é muito amistoso, alguém haveria de o levar no colo ou ceder um lugar, imaginámos nós.
No momento em que passamos a cancela para aceder à linha do comboio, o funcionário olha para nós muito consternado e diz: “6 horas de pé com um bebé? não vão aguentar… esperem aqui ao lado“. Ficamos ali, e de repente o homem deixa-nos com uma necessidade emergente: Precisamos de lugares sentados!!!! Chega outro funcionário (um rapaz bem novo), que por 2500LKR nos reservava os lugares. Aceitámos, são cerca de 13€ e ficaríamos os 4 adultos e o miúdo no colo. O funcionário disse para irmos para a plataforma e ele já voltava.
Estávamos muito longe de imaginar o que se iria passar!
Estavam milhares de pessoas na plataforma. Pouco antes do comboio chegar, um guarda da estação apita e manda aos gritos os passageiros da segunda classe todos para o fundo da plataforma. Foi tudo a correr. Nós íamos fazer o mesmo, quando o rapaz nos agarra no braço e diz para ficarmos.
O comboio chegou. As pessoas começam a entrar em fúria. O nosso rapaz, pega nas nossas mochilas e pela janela marca 2 lugares e fica aos berros para expulsar outros 2 passageiros já lá sentados. É o fim do mundo e nós ali no meio com cara de quem não está a acreditar no que vê.
Apressamo-nos a entrar pela porta. Procuramos as nossas mochilas. Vemos pessoas a ser puxadas dos seus lugares pelo braço para dar lugar aos “pagantes”. Corre, corre, senta, respira! Quem tem o André?? A mãe! a mãe tá sentada na fila de trás! a mochila? está tudo aqui! Respira fundo. Os passageiros locais riem das nossas caras, e não parecem absolutamente nada perturbados com o que aconteceu.
Vimos um braço esticado na janela. Pagámos ao rapaz ainda a tremelicar de adrenalina. Ele agradeceu todo contente, e lá foi para os próximos clientes.
Acabámos por ir todos juntos, com lugar até para o pequeno. Mas desta história nunca esqueceremos! Que organização estava ali montada… o pica bilhetes, os rapazes da plataforma, a chefe da estação…
Estação Ella
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